A história da Cannabis para uso medicinal no Brasil passa, obrigatoriamente, pela corajosa luta de mães para obter o tratamento de seus filhos com o Canabidiol, até então proibido em nosso país.
Inegavelmente, os tratamentos à base de CBD ou THC são caros, não acessíveis a todas as pessoas que necessitam da terapia Canabinóide.
Os Tribunais Brasileiros têm se pronunciado quase de maneira unânime, pela obrigatoriedade do Estado e dos Planos de saúde, em fornecer, rapidamente, o Canabidiol e o TetrahidroCanabiol para pacientes hipossuficientes, atendendo ao que determina a própria Constituição Federal, conforme determinado em seu art. 196:
Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
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Destaca-se a decisão marcante proferida pelo STF:
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, “caput”, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. Precedentes. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo e, por considerá-lo manifestamente infundado, em impor, à parte agravante, multa de 1% sobre o valor da causa, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Brasília, 12 de dezembro de 2006. CELSO DE MELLO – PRESIDENTE
A decisão enfatiza que não apenas as pessoas extremamente pobres têm o direito ao fornecimento gratuito dos derivados de Cannabis para uso Medicinal.
A jurisprudência já reconheceu o direito de qualquer cidadão ao fornecimento gratuito de medicamentos, desde que, sem diminuir sensivelmente a qualidade de vida, não haja condições de custear o tratamento, possibilitando, inclusive que pessoas com plano de saúde privado tem acesso a Cannabis Medicinal. Assim já decidiu o Tribunal de justiça do Estado de São Paulo:
MÉRITO. Fornecimento de medicamento sem registro na ANVISA (“Canabidiol – CBD-THC- 2,5”). Caso concreto. ANVISA que concedeu autorização expressa à parte autora para a importação do medicamento, o que evidencia a chancela do órgão regulador quanto à necessidade do seu uso nesta hipótese. Cobertura devida. Solução que não contraria as teses firmadas pelo STJ nos recursos repetitivos – REsp nº 1.712.163/SP e REsp nº1.726.56. Precedentes. Inteligência da Súmula nº 102 deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Lembramos que o SUS (Sistema Único de Saúde), criado na constituição de 1988, atende 190 milhões de pessoas, é um sistema universal e integral, que não faz distinção entre cidadãos, inclusive estrangeiros em território nacional.
Estima-se que 80% dos Brasileiros dependem exclusivamente do SUS para tratar sua saúde.
Com a edição da RDC n. 335/2020, foi regulamentada a importação de derivados de Cannabis para uso Medicinal, mediante a Autorização da Anvisa. Isso abriu caminho para que o Poder Judiciário reconhecesse o direito ao acesso a terapia canabinóide, sem distinções.
A advocacia exerce um papel importante para garantir a plenitude do exercício da cidadania. Por meio de ações judiciais especificas, o advogado é capaz de obter, mediante uma decisão liminar, atendendo à critério de urgência e emergência, o direito ao tratamento ininterrupto com base nos derivados de Cannabis.
Por óbvio, essas ações devem seguir uma tramitação rápida, pois a saúde não pode esperar. Em média o Poder Judiciário leva 10 dias para analisar o pedido de tratamento gratuito.
Concedida a liminar, o Estado tem mais 10 dias para cumprir a decisão e garantir a entrega do medicamento, independente de licitações. A compra é emergencial e não deve ser paralisada por trâmites burocráticos.
Contudo, não basta simplesmente redigir um pedido, é necessário que o paciente tenha uma prescrição, emitida por um médico regularmente registrado no seu órgão de classe e um laudo médico comprovando a necessidade do tratamento com canabinóides.
A Justiça não deve ser usada para mero capricho, o paciente deve ter um quadro clínico que se imponha o tratamento adequado, com os derivados de Cannabis.
Sobre o autor: Fabio Candello é advogado, formado pela PUC-Campinas, pós-graduado na primeira turma de Direito Penal Empresarial da Fundação Getúlio Vargas. Atualmente, é professor de Direito Penal e Processo Penal e CEO da Icann Brasil e fundador do escritório Candello Advocacia.