O uso da Cannabis Medicinal na medicina veterinária, apesar de vir se multiplicando entre os profissionais, continua no limbo jurídico.
Hoje todos os produtos importados ou não, à base de canabinóides, são regulamentados pela Anvisa. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) – que regulamenta os produtos de uso veterinário – não recebeu, até maio de 2022, nenhum pedido de registro de produto à base de Cannabis.
Este é o motivo pelo qual um veterinário precisa recorrer a outros caminhos, pedindo autorização judicial para que a Anvisa aceite a sua prescrição e seja feita a importação para o uso animal.
Além disso, estudo da Kaya Mind (empresa que estuda dados relacionados ao comércio de Cannabis Medicinal no Brasil) sobre o mercado pet verificou que já existem cerca de 130 produtos à base de Cannabis Medicinal, autorizados pela Anvisa para seres humanos, que podem ser utilizados por animais.
Conselho Federal de Veterinária apoia o uso de Cannabis medicinal
O Conselho Federal de Veterinária recomendou, recentemente (abril de 2022) o uso de Cannabis medicinal nos animais, pois acredita que estes podem se beneficiar do uso, quando os medicamentos convencionais não surtem efeito.
Dentro dos Conselhos regionais de veterinária, inclusive, já vem se criando grupos de estudo para embasar a prática, enquanto uma legislação que contemple os veterinários não é aprovada.
Aliás, o Conselho Federal de Veterinária contribuiu técnica e juridicamente para o Projeto de Lei (PL) nº 369/2021 da Câmara dos Deputados, em 2021. Segundo artigo publicado no site do próprio Conselho: “A proposta regulamenta o uso veterinário de remédios derivados da Cannabis sativa e incentiva pesquisas, estudos e a comercialização, no mercado brasileiro, de medicamentos mais eficientes, seguros e de qualidade do produto para tratamento em animais, como já ocorre com o uso para humanos.”
Quando o PL for aprovado, a prescrição obedecerá às regras da Anvisa, enquanto não houver regulamentação específica para uso veterinário.
Mas, afinal, todos os animais podem se beneficiar do uso medicinal da Cannabis?
Para iniciarmos esse tema precisamos ter em mente que o plantio de diferentes espécies de cannabis – incluindo o cânhamo – acompanha a evolução do ser humano. Os animais selvagens – e os que iam sendo domesticados – tinham acesso livre à planta, na natureza e depois, às plantações de cânhamo, quando este já era utilizado pelo homem também para o uso em construções de adobe, para fazer tecidos, cordas, papel e muito mais.
Há diferenças em como as diversas espécies animais respondem à planta, e isso foi documentado desde 1938, pelo médico irlandês William Brook O’Shaugnessy. Enquanto os animais graminívoros (cavalos, ovelhas, vacas, etc) experimentam efeitos mínimos, animais carnívoros, pássaros e peixes podem experimentar efeitos intoxicantes, dependendo da dose administrada.
Hoje se sabe que isso se deve à distribuição diferenciada dos receptores canabinóides no organismo, de acordo com a espécie. Também fica claro que os animais que se alimentam de folhas tiveram uma adaptação do organismo – mas ainda assim, colhem benefícios com os fitocanabinóides da planta.
O uso veterinário, até 1937, quando houve a proibição pelos EUA, era vasto, como por exemplo, em asma, convulsões, tosse, cistite, tétano, câncer, em casos de inflamações intestinais, como laxante e em sedação em cavalos, por exemplo.
Atualmente, com o conhecimento do Sistema Endocanabinóide e a ação dos fitocanabinóides, é possível fazer uma utilização mais assertiva na veterinária.
O Sistema Endocanabinóide (SEC) nos animais
O SEC está presente em todas as espécies, de invertebrados e vertebrados, com exceção dos insetos, e acompanhou a evolução dos organismos vivos desde os Cordados, há 500 milhões de anos.
A atuação do SEC se dá desde a concepção até o final da vida, em cinco funções principais para o equilíbrio do organismo: relaxar, dormir, comer, esquecer e proteger.
Os receptores CB1 regulam o desenvolvimento embrionário, neurológico (envolvendo a neuroplasticidade e neuroproteção), os mecanismos de dor, apetite, sono, metabolismo celular e respostas emocionais.
Os receptores CB2 regulam a proteção do organismo, controlando os processos inflamatórios, o sistema imunológico e o processo de apoptose (morte celular).
Quando o SEC funciona mal nos animais?
O Sistema Endocanabinóide pode entrar em desequilíbrio com alimentação inadequada (totalmente industrializada), falta de estímulos físicos (exercícios, caminhadas etc), contato com substâncias químicas (como shampoos, perfumes, materiais de limpeza) e estresse emocional (ficar sozinho, preso em espaço pequeno, por exemplo).
Por mais que apreciem a companhia de seu “humano de estimação”, os animais precisam passear, se exercitar, caçar, exercer suas funções naturais, para gastarem a energia e manterem seu Sistema Endocanabinóide funcionando bem.
Ainda que exista a facilidade das rações prontas, é interessante oferecer alimentos não industrializados. E por mais que seja agradável para os tutores sentirem o animal perfumado, a química pesada, presente em shampoos e odorizadores (bem como em produtos de limpeza) altera o funcionamento do Sistema Endocanabinóide animal.
A Cannabis medicinal pode ajudar o pet?
Da mesma forma que para o ser humano, a Cannabis é um adjuvante no tratamento dos pets. É preciso que os tutores também ajudem no processo, com mudanças na dieta e no trato com o animal, oferecendo momentos de exercício físico e presença.
O uso da Cannabis vai ajudar a controlar processos inflamatórios, ansiedade, agressividade, doenças dermatológicas, doenças renais, dores crônicas (artrite e artrose), alterações neurológicas, como sequelas de cinomose e processos degenerativos, convulsões, neoplasias e outras aplicações. Sozinha,porém, não faz milagres.
Os veterinários prescritores de Cannabis medicinal sabem disso e podem avaliar a necessidade do uso e, se esse for o caso, orientar os tutores adequadamente, para a melhora de qualidade de vida do animal.
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.