Por Ana Claudia Marques
Muito usado para dores crônicas e dores oncológicas, os opióides são uma preocupação em vários países do mundo, pois seu uso causa dependência e até mesmo a morte por overdose. O corpo desenvolve tolerância aos opióides, sendo necessário o aumento contínuo da dose ingerida para manter o efeito analgésico desejado. É dentro deste cenário que surgem muitos estudos mostrando que a Cannabis Medicinal pode ser utilizada para diminuir ou substituir o uso de opióides por pacientes com dores crônicas.
Opióides também produzem efeitos colaterais, sendo os mais comuns a sensação de sono, náuseas, vômitos e constipação intestinal (prisão de ventre). Outros efeitos colaterais possíveis são: tontura, prurido, dificuldade para urinar, confusão mental, alucinações e respiração lenta.
A indicação da Cannabis Medicinal, para muitos pacientes com dor crônica ou dor oncológica, é feita pela intolerância aos efeitos colaterais dos opióides. Entretanto, seu uso mostrou apresentar outros benefícios, como veremos durante esse artigo.
Tudo começa no Sistema Nervoso – o caminho da dor
Quando acontece alguma lesão ou dano ao corpo, é gerada uma sensação de dor. Digamos que o paciente tenha uma hérnia de disco. Quando é feito um movimento específico, o nervo da coluna é pinçado e a pessoa “trava” para proteger o corpo (reflexo de proteção, devido aos neurônios periféricos) ao mesmo tempo que é enviado um impulso nervoso até o cérebro, que resulta na sensação de dor. É quando o sistema Nervoso detecta, interpreta e reage à lesão.

Para simplificar esta explicação, imagine que existem tipos de neurônios que “ligam” e “desligam” a dor, de acordo com vários fatores: atenção, emoção, etc. Esta “via” por onde passa o estímulo da dor é também onde atuam os analgésicos, “desligando” a sensação dolorosa.
Existem analgésicos produzidos pelo nosso próprio corpo, chamados de opiáceos endógenos: são as endorfinas e encefalinas. Elas podem ter sua produção estimulada naturalmente através de exercícios físicos, meditação, massagem, relaxamento, técnicas de respiração etc.Hoje sabe-se que o sistema endocanabinóide é acionado com estes estímulos naturais e que deste sistema partem ordens, através da ação das substâncias endocanabinóides, para o cérebro produzir as endorfinas e encefalinas,.
Há também substâncias analgésicas que agem em nosso organismo, como os opióides exógenos (morfina e congêneres), não-opióides (como aspirina, dipirona etc), Canabinóides endógenos (as Anandamidas) e canabinóides exógenos (fitocanabinóides e canabinóides sintéticos).
Opiáceos e canabinóides funcionam se “acoplando” de maneira específica aos seus receptores e ativando os neurônios que desligam a dor. Já os analgésicos não-opióides atuam estimulando a produção de opiáceos endógenos, tanto se ligando tanto aos receptores opióides quanto aos receptores canabinóides.
A chave para entender como a Cannabis Medicinal atua para diminuir o uso de opióides é saber que estas três vias de inibição de dor: com substâncias opióides, não-opióides e canabinóides, encontram-se em algumas áreas comuns do cérebro – na região do mesencéfalo e do bulbo.
O sistema endocanabinóide e o processo de dor
O sistema endocanabinóide é um regulador natural do organismo, estimulando pontualmente a produção de enzimas e hormônios que induzem o bem-estar, o sono, o apetite, a dor, a resposta imunológica e a resposta inflamatória do corpo, entre outras funções importantes.
No caso do mecanismo da dor, este sistema atua em duas frentes: reduzindo o processo inflamatório, ao impedir a produção de prostaglandinas (enzimas que induzem a inflamação no tecido lesionado) e reduzindo a dor, ao ativar a chave que “desliga” a via dolorosa.
Vale dizer que tanto os canabinóides quanto os opióides e os não opióides, atuam inibindo a produção de enzimas que induzem a inflamação, tanto quanto atuam inibindo a dor na área lesionada. A diferença de cada substância nessas ações vem da intensidade com que agem, por quanto tempo duram seus efeitos e a quantidade necessária de medicamentos para trazer o resultado desejado.
A recomendação médica por um medicamento ou outro levará em conta a intensidade da dor, sua duração (se é momentânea ou se vem acontecendo há bastante tempo) e se é incapacitante ou não.
No caso da dor crônica ou dor oncológica, o corpo se acostuma com o efeito dos opióides e “pede mais” para continuar tendo o mesmo resultado analgésico (por isso o uso abusivo dessas substâncias, com o passar do tempo).
O mesmo não acontece com os canabinóides. Estes têm uma ação mais prolongada e pontual (só são produzidos sob demanda, por exemplo, no caso de dor), ativando o sistema endocanabinóide quando se ligam aos receptores CB1 e CB2. Enquanto o CB1 atua estimulando a produção de analgésicos naturais (endorfinas), o CB2 atua bloqueando a produção de prostaglandinas e interrompe o processo inflamatório.
Opióides e canabinóides
Descobriu-se que, por seus receptores estarem em vias de dor próximas, compartilhando de algumas estruturas do cérebro, existe uma sinergia farmacológica entre os canabinóides e opióides.

Usados juntos, o efeito analgésico aumenta e a tolerância do organismo aos opióides diminui, tendo como resultado menos pacientes viciados e dependentes dessa classe de analgésicos.
Vários estudos com pacientes apresentando dores crônicas tratados com a Cannabis medicinal ( Haroutounian et. al em 2016 e Vigil et. al em 2017) obtiveram como resultado: melhora na sensação dolorosa, retorno à vida social e atividades diárias, melhora na concentração e, portanto, melhoria na qualidade de vida como um todo.
Ainda, nestes e em outros estudos foi constatado que uma porcentagem dos pacientes substituiu os opióides por canabinóides e outra parte conseguiu diminuir as doses diárias de consumo de opióides, devido ao controle satisfatório da dor.
Por que usar canabinóides no lugar de opióides?
É importante ressaltar que para manter o mesmo alívio da dor, o paciente usuário de opióides tem um aumento gradativo das doses ou necessidade de aumentar a frequência do remédio, caracterizando o comportamento viciante.
Já com a terapia canabinóide, ajustada a dose que produz a analgesia, a quantidade e a frequência de uso permanecem constantes.
O uso abusivo de opióides é um problema mundial, com cerca de 26 milhões de vítimas, segundo publicação da Universidade da Paraíba. Só nos EUA, em 2016, foram aproximadamente 42 mil vítimas de overdose por opióides, sendo que 10 mil faziam uso medicinal da substância.
Portanto, se existe uma terapia, como a canábica, que produz os resultados desejados pelo paciente, ou seja, viver sem dor, com qualidade de vida, mas sem os efeitos indesejados da terapia opióide, é relevante que a comunidade médica se aproprie desse conhecimento e saiba como prescrever os medicamentos à base de Cannabis medicinal, para o bem de seus pacientes.
Em nosso portal você encontra médicos prescritores que podem ajudar o paciente a ter acesso à terapia canabinóide, acompanhando a evolução de cada caso, ajustando a dose de acordo com a resposta do cliente e contribuindo para uma vida plena, com qualidade e sem dor.
Material de referência:
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0024320503010129 (Synergistic interactions between cannabinoid and opioid analgesics)
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.