Dentro de um vasto universo de patologias existentes, as doenças autoimunes são desafiadoras, não só para serem identificadas e corretamente diagnosticadas, quanto para receberem tratamentos efetivos. Em algumas delas a Cannabis Medicinal vem se destacando como um ótimo tratamento adjuvante à terapia tradicional, por inúmeros motivos que iremos destacar neste artigo.
O que são doenças autoimunes?
Mais comum do que o público leigo possa imaginar, doenças autoimunes são aquelas deflagradas por um mal funcionamento do Sistema Imunológico, identificando células do próprio corpo como organismos invasores (vírus, bactérias, fungos, etc), devido à semelhança de proteínas que compõem a membrana celular de um e de outro.
Quando isto acontece, o Sistema Imunológico inicia a produção de anticorpos para combater estas células, resultando em um ataque a órgãos e tecidos do próprio organismo.
Mas, afinal, quais são as doenças autoimunes? Veja a seguir a lista destas patologias, das mais comuns até as mais raras:
- Diabetes tipo 1;
- Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES);
- Psoríase;
- Esclerose múltipla;
- Vitiligo;
- Doença celíaca;
- Anemia aplástica;
- Tireoidite de Hashimoto;
- Doença de Crohn;
- Anemia hemolítica autoimune;
- Anemia perniciosa;
- Cirrose Biliar Primária (CBP);
- Doença de Graves;
- Hepatite autoimune;
- Síndrome de Guillain-Barré;
- Urticária autoimune.
Estas são apenas algumas delas. Estima-se que cerca de 2 a 5% da população mundial apresenta algum tipo de doença autoimune. Elas podem ser divididas em dois tipos:
- órgão-específicas – quando o sistema imunológico agride um órgão ou tecido do corpo específico. Ex: diabete mellitus (células do pâncreas), Esclerose múltipla (tecido nervoso), hepatite autoimune (células do fígado), urticária autoimune (pele).
- sistêmicas – quando o sistema imunológico agride vários órgãos e tecidos. Ex: Lúpus eritematoso sistêmico (pode comprometer articulações, pele e órgãos internos).
Qual a causa das doenças autoimunes?
A causa das doenças autoimunes ainda é incerta. Mulheres são a maioria dos pacientes, e existe um forte indício de predisposição genética, mas nem sempre é possível esta correlação. Tirando as doenças autoimunes causadas pelo uso de outros medicamentos (e que cessam assim que é descontinuado o uso dos mesmos), outra causa já documentada e de forte correlação é um desequilíbrio no funcionamento do Sistema Endocanabinóide do nosso organismo.
E faz todo sentido, se levarmos em conta que os fatores que colaboram para a ocorrência das doenças autoimunes são os mesmos encontrados no desequilíbrio do Sistema Endocanabinóide:
- stress físico (poucas horas de sono, trabalho excessivo, sobrecarregando o organismo);
- má alimentação, com excesso de alimentos industrializados;
- episódios de stress emocional (luto, perda de emprego, separação, por exemplo);
- alterações hormonais importantes (puberdade, gravidez, climatério).
Todos estes fatores, já se sabe há tempos, tem correlação com a alteração das funções imunológicas.
Por este motivo o uso de terapia canabinóide pode ser de grande relevância para devolver a qualidade de vida destes pacientes.
Qual a relação entre Sistema Endocanabinóide e Sistema Imunológico?
Para entender melhor como os canabinóides podem auxiliar no tratamento das doenças autoimunes, é necessário entender qual é a relação entre o Sistema Endocanabinóide (SEC) e o Sistema Imunológico.
Para explicar de forma resumida, o Sistema Endocanabinóide é o precursor de todos os outros sistemas que regulam os organismos vivos. É ele que está por trás do bom funcionamento do Sistema de Defesa do organismo, bem como do controle de temperatura corporal, amadurecimento do sistema nervoso, produção de enzimas e hormônios, controle de processos inflamatórios, recuperação de tecidos, ciclos de vida e morte das células, proliferação celular, manutenção dos hormônios que mantém a gravidez e muitos mais.
O Sistema Endocanabinóide possui receptores chamados CB1 e CB2, que se conectam não só com os endocanabinóides (substâncias produzidas por nosso próprio corpo), quantos com os fitocanabinóides (substâncias presentes na planta Cannabis). Entre os fitocanabinóides, os mais conhecidos e estudados para uso terapêutico são o canabidiol (CBD) e o tetra hidrocanabinol (THC).
Em nosso Sistema imunológico, estes receptores, CB1 e CB2, estão presentes em todas as células de defesa, sendo responsáveis por controlar a defesa do organismo, ao modular o funcionamento de cada célula de defesa e controlar o desenvolvimento de tumores.
Estes receptores do Sistema Endocanabinóide produzem canabinóides que regulam todas estas funções. Mas se o SEC não está funcionando corretamente, esta modulação não acontece como deveria.
É neste momento que os fitocanabinóides da Cannabis podem ser utilizados, por todo seu potencial terapêutico.
O canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC)
O CBD é um fitocanabinóide amplamente conhecido e utilizado de forma medicinal, pois não causa dependência e, comparativamente a outros medicamentos alopáticos, não apresenta fortes ou contínuos efeitos colaterais. Normalmente estes são eliminados com ajuste da dose para o paciente.
O THC também é um fitocanabinóide amplamente conhecido e estudado, tanto por ser a primeira substância da Cannabis a ser descoberta, por seus efeitos psicoativos, quanto por ter importantes efeitos terapêuticos – principalmente quando falamos de quadros neurológicos.
Seguindo a máxima de que o que diferencia o remédio do veneno é a dose utilizada, o THC em altas doses é viciante e pode causar alucinações. Já em dosagens mais baixas e controladas, pode auxiliar a reduzir a ansiedade, transtornos de stress pós-traumático e suas comorbidades, como distúrbios do sono e depressão, além de ajudar com o relaxamento muscular e ser neuroprotetor.
É importante ressaltar que em doenças autoimunes os pacientes apresentam algumas destas mesmas comorbidades, devido a dificuldade diária de conviver com a dor, a perda de funcionalidade e de qualidade de vida geral.
Deste modo, formulações que contenham as duas substâncias em doses terapêuticas, sejam isoladas ou full spectrum, podem ser recomendadas pelo profissional para uso concomitante com a terapia convencional.
Como atuam os fitocanabinóides no organismo?
Tanto o CBD quanto o THC se “ligam” aos receptores CB1 e CB2, bem como a outros sítios do Sistema Endocanabinóide, regularizando seu funcionamento e normalizando a produção de endocanabinóides pelo próprio organismo.
Se formos fazer uma comparação, eles são como um desfibrilador que faz as fibras da musculatura cardíaca voltarem a funcionar. Quando os fitocanabinóides entram em contato com o Sistema endocanabinóide, eles também estimulam a recuperação de sua função.
Dessa forma, o uso do CBD culmina na melhora do Sistema Imunológico, cessando o ataque à células sãs e também debela o processo inflamatório que foi iniciado com o processo autoimune às células de órgãos e tecidos.
É importante lembrar que quando o processo inflamatório se prolonga mais do que o desejado, pode ocorrer a chamada “tempestade de citocinas”, provocando um quadro inflamatório generalizado e que pode levar à óbito o paciente pela falência dos órgãos.
Introduzir, portanto, uma terapia que controle este processo em doenças autoimunes sistêmicas é relevante.
Além deste papel antiinflamatório, o CBD tem função analgésica, neuroprotetora, reguladora do apetite, ansiolítica e antidepressiva.
Na prática clínica, quais são os benefícios que os pacientes podem colher?
Pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico e Artrite Reumatóide, por exemplo, conseguem ter o processo inflamatório debelado, o controle da dor e uma modulação do Sistema imunológico.
Pacientes com Esclerose Múltipla e Fibromialgia (outra doença que não tem causas claras e pode ser autoimune) tem seus quadros melhorados devido ao efeito neuroprotetor do CBD, somado, mais uma vez, aos efeitos antiinflamatórios, analgésicos, relaxantes e moduladores do sistema imunológico.
Estudos sobre canabinóides e o sistema imunológico
Quando o corpo produz uma resposta imunológica, de defesa, os linfócitos T são os responsáveis pela produção de citocinas e eliminação ativa das células infectadas por vírus.
Um estudo de 2008 já demonstrava que o CBD modula a produção dos linfócitos T, suprime a formação de citocinas e a proliferação de linfócitos T.
Uma revisão sistemática de 2020 teve como objetivo confirmar a capacidade anti-inflamatória e imunossupressora do CBD, inclusive fornecendo um resumo dos efeitos in vivo e in vitro no sistema imune, também em modelos autoimunes (no caso, na encefalomielite autoimune).
Outro estudo interessante mostra a correlação entre a deficiência do Sistema Endocanabinóide e uma série de patologias, como enxaqueca, fibromialgia, intestino irritável – várias delas, doenças autoimunes. Segundo este estudo, existem evidências teóricas e clínicas de que o tratamento com canabinóides, somado com melhora no estilo de vida (isso inclui alimentação, exercícios físicos, etc) resultam em diminuição da dor, melhora do sono e uma série de outros benefícios na qualidade de vida dos pacientes. Neste mesmo estudo destacou-se uma correlação relevante: pacientes com fibromialgia, em sua maioria, apresentam como comorbidades cefaléia e síndrome do intestino irritável (sendo, esta última, uma doença autoimune).
Há diversos outros estudos mostrando a importância de se utilizar o CBD, por exemplo, no tratamento de Artrite Reumatóide, não só por seu potencial antiinflamatório, analgésico, relaxante muscular e imunossupressor, mas também por ajudar os pacientes a reduzirem a polifarmácia e os efeitos colaterais advindos do uso de inúmeros remédios ao mesmo tempo.
Vamos citar mais um artigo, publicado na Cannabis and Cannabinoids Research, que também afirma que o CBD possui mecanismos imunossupressores, envolvendo a supressão direta da ativação de vários tipos de células do sistema imunológico, indução da apoptose e promoção de células reguladoras que, por sua vez, controlam outras células alvo de defesa.
Portanto é importante compreender o paciente como um todo e investigar a interligação entre as patologias ao invés de enxergá-las de forma isolada. Desta forma fica claro que o que está por trás de todos estes desequilíbrios físico-químicos, que chamamos de doenças, é o Sistema Endocanabinóide. A conclusão que se apresenta, nestes casos, é o uso da terapia com canabinóides, como adjuvante dos tratamentos já preconizados, para reequilibrar este sistema.
Como toda medicação, o uso da terapia canabinóide deve ser feita com a prescrição de um profissional habilitado, que irá orientar, explicar sobre dosagem, forma de uso e interações medicamentosas.
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Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.