Por Ana Claudia Marques
O uso medicinal da Cannabis remonta há mais de 5000 anos, quando os antigos começaram a viver da agricultura local e a planta passou a ser utilizada tanto para fins religiosos e medicinais, quanto para a fabricação de tecidos e em construções, visto que era possível plantá-la e tê-la junto à comunidade. Locais como China, Mongólia e sudoeste da Sibéria (Rússia), foram regiões com climas específicos que propiciaram os primeiros cultivos da planta para fins medicinais.
Justamente por conta da diferença climática, cada região acabou desenvolvendo uma subespécie da planta.
Atualmente a pesquisa genética possibilita aprimorar e selecionar sementes de espécies de Cannabis para fins específicos, de acordo com o uso que se fará da planta. Denomina-se de “cânhamo” a espécie Cannabis sativa L., com alto teor de CBD e baixo teor de THC. Além de ser a espécie mais adequada para a fabricação de produtos medicinais e para o uso alimentício (sementes, folhas), seu caule fibroso é usado em diversas aplicações na indústria, como na área têxtil, de construção civil e até em próteses.
Textos antigos trazem relatos de uso da Cannabis no tratamento de inflamações, quadros de artrite e de dor. Vista somente pelo seu potencial alucinógeno desde a década de 1930 pela sociedade, devido à política anti-drogas iniciada nos EUA e reiterada por várias nações no pós guerra, a Cannabis medicinal ficou muito tempo sendo usada informalmente, seja para uso recreativo, seja para uso medicinal.
Aqui no Brasil, bem como em outros países, muitos pacientes e parentes de pacientes com quadros neurológicos graves e não responsivos às drogas convencionais, bem como pacientes com quadros degenerativos, passaram as últimas duas décadas lutando para poderem utilizar o óleo medicinal extraído da Cannabis, a fim de controlar sintomas como convulsões recorrentes, tremores involuntários, dores crônicas etc.
Cuidar dos seus problemas de saúde ou de entes queridos tornou-se caso de polícia para muitos, que precisavam emitir Habeas Corpus para terem o direito de tratar filhos, pais, cônjuges ou a si mesmos, para ganharem ou retomarem a qualidade de vida.
Hoje o quadro mudou e existe uma regulamentação da Anvisa, para o uso de medicação com canabinóides. Entrevistamos o médico reumatologista Dr Antonio Cavalheiro Neto, do Centro de Medicina Avançada Cavalheiro, especialista no tratamento de dores crônicas e um dos poucos profissionais no Brasil que já prescrevem aos seus pacientes remédios à base de Cannabis Medicinal.

CBD Fast Lane: Dr. Antonio, por que hoje a Anvisa e órgãos reguladores de outros países vem aceitando o CBD e outros fitocanabinóides para dores crônicas?
Por que isso aconteceu?
Dr; Antonio: Até hoje a classe de remédios para dor mais prescrita pelos médicos são os opióides. O organismo desenvolve tolerância aos opióides, fazendo com que os pacientes precisem de doses cada vez maiores e com mais frequência, para obterem o mesmo alívio para a dor. Por este motivo, essa classe de remédios pode causar dependência – sem falar dos efeitos colaterais que provocam em boa parte dos pacientes.
Frente a esta realidade, pesquisadores vêm buscando há tempos alternativas para lidar com a dor crônica e devolver a qualidade de vida aos pacientes. Antes, métodos alternativos, como massagens localizadas, acupuntura, ioga e meditação, se tornaram opções que aliviam dores inflamatórias pontuais. Hoje sabemos que todos estes métodos influenciam no bom funcionamento do Sistema Endocanabinóide – responsável pela manutenção do equilíbrio de funções importantes do corpo, como sono, humor, sistema imunológico, resposta inflamatória e controle da dor.
Este é o mesmo sistema onde atuam os fitocanabinóides da Cannabis. Eles se ligam aos receptores do Sistema Endocanabinóide de forma natural, como os endocanabinóides fabricados pelo nosso próprio corpo, regulando este sistema de forma rápida.
CBD Fast Lane: Pode nos explicar o que é o CBD e para que serve?
Dr. Antonio: O CBD (canabidiol) é um dos fitocanabinóides mais pesquisados pela comunidade científica desde sua descoberta. Além de não ter potencial alucinógeno nem viciar, tem potencial analgésico comprovado no uso para dores crônicas, em inúmeros estudos.
CBD Fast Lane: Em sua experiência clínica, quais tipos de dor respondem bem ao uso de Cannabis medicinal?
Dr. Antonio: Aqui no consultório já pude testemunhar a efetividade do CBD em vários casos, como:
•dores ósseas: como na osteoporose e osteomielite;
•dores musculares: conhecidas como mialgia, como a polimialgia reumática;
•dores nos tendões e ligamentos: causadas por lesões ou inflamações nessas áreas, como na tendinite;
•dores nas bursas ou bursites: causadas por traumas, uso ou movimento excessivo, gota ou infecções;
•dores articulares: causadas por inflamações na articulações, como a artrite ou a osteoartrite (também conhecida como artrose), que é uma lesão degenerativa da cartilagem articular;
•fibromialgia que, apesar de não ser originada nas articulações, também pode ser considerada como uma dor musculoesquelética, por causar dor nos músculos, tendões ou ligamentos;
•dores pós-cirúrgicas, ocasionadas por cirurgias ortopédicas como de quadril e joelhos; e
•lombalgias e dores na coluna vertebral, incluindo os ossos da coluna vertebral (vértebras), discos, músculos e ligamentos que dão sustentação ao corpo.
CBD Fast Lane: Poderia citar alguns estudos científicos que comprovam resultados semelhantes?
Dr. Antonio:Alguns estudos foram e ainda estão sendo publicados sobre o assunto, mas posso citar dois:
Um de 2019, publicado na revista Phytochemistry, realizado por um grupo de cientistas da Universidade de Guelph (Canadá), mostrou que algumas substâncias da Cannabis ajudam a combater a dor e que podem ser até 30 vezes mais poderosas do que a aspirina, por exemplo. Isso sem contar o fato de que o uso dos fitocanabinóides não causa dependência e os efeitos colaterais são poucos e controláveis com o ajuste da dose diária.
Um outro estudo científico, esse de janeiro de 2017, publicado no livro The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research, apresentou evidências conclusivas de que os canabinóides são eficazes para o tratamento da dor crônica em adultos. Efeitos antieméticos e uma melhora na espasticidade da esclerose múltipla também foram encontrados e relatados na pesquisa.
CBD Fast Lane: poderia nos contar sua experiência do uso do CBD com esportistas?
Dr Antonio: O uso da Cannabis medicinal chegou também no esporte. Por conta das dores musculares recorrentes, provocadas pelos exercícios físicos intensos, atletas de alto rendimento estão trocando o ibuprofeno anti-inflamatório pelo CBD. Agora existe uma alternativa para o que antes era a principal queixa desta classe profissional, que convive com as dores e deseja parar de abusar dos comprimidos.
Temos outro fato que também é interessante citar. Desde 2018, a Agência Mundial Antidoping (WADA) excluiu o CBD da lista de substâncias proibidas para o consumo dos atletas. O que se viu foi um aumento considerável de atletas olímpicos e paralímpicos utilizando a substância em Tóquio 2021.
CBD Fast Lane: Dr. Antônio, para encerrarmos, como o senhor enxerga o uso dos canabinóides para os próximos anos?
Dr. Antonio: Vejo que temos um caminho longo para que a Anvisa aceite os canabinóides como uma classe de fármacos como quaisquer outras, sem tanta burocracia. Mas as discussões sobre o assunto e as inúmeras pesquisas demonstrando a eficácia da Cannabis Medicinal, que vem ocorrendo ano a ano, deverão diminuir o preconceito da sociedade em geral e da classe médica quanto ao uso do CBD para dores crônicas e outras patologias.
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.