Por Ana Claudia Marques
O Sistema Endocanabinóide (SEC) é uma peça central no controle de metabolismo, não só humano, mas de outros mamíferos, aves, répteis etc. Este sistema neuromodulador generalizado está por trás do bom funcionamento do organismo: controle da temperatura corporal, fome, sono reparador, renovação celular, sistema de defesa, ciclo de vida das células e muito mais.
O SEC é formado por:
- endocanabinóides
- enzimas
- receptores canabinóides.
Os endocanabinóides
São neurotransmissores lipídicos, que agem tanto sobre o nosso Sistema Nervoso quanto sobre o nosso Sistema Imunológico. Produzidos somente por demanda (quando existem alterações agudas ou crônicas na homeostase da célula), ajudam a controlar as várias funções corporais.
Os endocanabinóides, assim que cumprem suas funções de controle, são quebrados por enzimas específicas do SEC. Este mecanismo chama-se de regulação por captação-degradação.
São dois os endocanabinóides já identificados no organismo:
- a Anandamida (AEA), molécula da “felicidade” (ananda, em sânscrito);
- e a 2 – araquidonilglicerol (2-AG).
Os receptores endocanabinóides
Os receptores endocanabinóides são proteínas G, ativados pelo acoplamento dos canabinóides endógenos ou exógenos (fitocanabinóides ou os sintéticos).
CB1 – receptores canabinóides tipo 1
São proteínas G, localizadas na membrana de células pré-sinápticas. Localizam-se principalmente no cérebro (hipocampo, hipotálamo, áreas de associação do córtex cerebral, vias dopaminérgicas e substância negra), células endoteliais (do interior dos vasos sanguíneos), nervos periféricos, adipócitos (células de gordura), leucocitos (células de defesa), baço. coração, pulmão, trato gastrointestinal, rins, bexiga, órgãos reprodutivos, sistema músculo esquelético, ossos, articulações e pele.
Quando ativado, o CB1 inibe a adenilato ciclase (não permitindo alterações fisiológicas na célula) e inibe também os canais de cálcio (impedindo a entrada de cálcio na célula e a consequente excitação da mesma) ao mesmo tempo que ativa os canais de potássio (canais GIRK), resultando em inibição da liberação de neurotransmissores.
É importante entender que para cada célula diferente, essa inibição trará resultados particulares. Por exemplo, além de regular a produção de RNA (que controla o funcionamento específico de cada célula), a ativação do CB1 por canabinóides:
- Numa célula muscular, inibe a contração, propiciando relaxamento.
- Numa célula neuronal, inibe sua excitação, causando a interrupção de sinapses (condução de sinais nervosos) ou interrupção de liberação de neurotransmissores/ hormônios.
- Numa célula adiposa, regula a lipogênese e aumenta a expressão de genes influentes no metabolismo dos lipídeos e dos carboidratos.

CB2 – receptores canabinóides tipo 2
Os receptores CB2 localizam-se na microglia do Sistema Nervoso Central (células de defesa do sistema nervoso) em astrócitos, oligodendrócitos, em nervos periféricos (responsáveis pela sensação de dor) e em órgãos e células do nosso Sistema Imunológico: baço, tonsilas, medula óssea e leucócitos.
O CB2, como o CB1, atua também na Adenilato ciclase e nos canais GIRK, mas não atua nos canais cálcio dependentes. Por esse motivo sua ação é mais direcionada no controle da dor, inflamação e regulação do sistema de defesa do organismo.
Quando ativado pelos canabinóides:
- o Sistema Imunológico diminui sua atuação desordenada, diminuindo reações alérgicas e auto-imunes;
- o processo inflamatório fica sob controle;
- a percepção de dor pelos receptores periféricos diminui.
Enzimas
São duas as principais enzimas encontradas no SEC:
- a Ácido graxo amida hidrolase (FAAH), que decompõe a Anandamida;
- a Lipase ácida de monoacilglicerol (MAGL) localizada pré sinapticamente, que decompõe a 2- AG.
São estas enzimas que quebram os endocanabinóides, assim que eles estimulam a resposta celular necessária.
O FAAH consegue quebrar a Anandamida, portanto seus efeitos relaxantes – e prazerosos- são momentâneos. Entretanto, em se tratando de fitocanabinóides, o FAAH não consegue quebrar o THC, motivo pelo qual essa substância tem seus efeitos alucinógenos e também terapêuticos prolongados no organismo, até sua excreção pelo sistema urinário e intestinal.
Funcionamento do sistema endocanabinóide
O SEC, como já foi dito, é responsável pelo equilíbrio (homeostase) do funcionamento do corpo. Manter o nível de açúcar do sangue, a temperatura corporal, ter sono, fazer a renovação celular a cada tantos meses, ter uma resposta imunológica e inflamatória adequada, ter fome na medida certa… tudo isso é regulado pelo sistema endocanabinóide.
O sistema é ativado sob demanda e desativado rapidamente, atuando autócrina (quando o hormônio produzido atua na própria célula produtora) e paracrinamente (quando o hormônio produzido atua em células vizinhas dentro do mesmo tecido).
Muitas patologias e condições clínicas estão relacionadas ao SEC em mau funcionamento. A Deficiência Endocanabinóide Clínica é um termo criado para englobar todas essas condições.
O SEC e os fitocanabinóides
Quando o SEC não regula as funções do corpo como deveria, os fitocanabinóides – os canabinóides produzidos pela Cannabis – ajudam a reequilibrar esse sistema.
Os canabinóides mais pesquisados hoje são o CBD (canabidiol) e o THC (tetra hidrocanabinol), que se ligam e regulam o Sistema Endocanabinóide.
CBD
O CBD se liga ao Sistema Endocanabinóide diretamente, estimulando a produção dos endocanabinóides e regulando o sistema que “regula tudo” em nosso organismo.
O CBD interage bem pouco com os receptores CB1 e CB2, Ele é um modulador alostérico negativo do CB1, o que significa que leva sempre ao enfraquecimento da ação da célula onde o receptor estiver localizado.
O CBD se liga ao SEC por outras vias, como enzimas, canais iônicos e o receptor TRPV1**, agindo como agonista a este último. Além disso, o CBD tem mostrado bloquear a atividade da FAAH, resultando num aumento nos níveis de anandamida (prolongando seu efeito no organismo).
Efeitos do CBD no organismo: anti-inflamatório, analgésico, anti-náusea, anti-emético, anti-psicótico, anti-isquêmico, ansiolítico e antiepiléptico.
**O TRPV1 ou receptor vanilóide 1, ativado por estímulos físicos e químicos, internos e externos ao organismo, é um mecanismo usado pelo Sistema Somatossensorial dos mamíferos e está envolvido na transmissão de dor e estímulos dolorosos. Presente nos neurônios nociceptores periféricos bem como no Sistema Nervoso Central, também é considerado parte da rede endocanabinóide, por ter ligantes para o CBD, o THC e anandamida.
THC
O THC, muito similar à Anandamida, liga-se mais facilmente aos receptores CB1, relaxando a musculatura, desativando sinapses, diminuindo a produção de enzimas e hormônios, dando a sensação de relaxamento, euforia e “felicidade”.
A enzima FAAH não decompõe o THC, apesar dele ser similar à Anandamida. O THC
sendo também um agonista parcial do CB2 e tendo atividade em outros receptores não canabinóides, é responsável pelos efeitos psicoativos da Cannabis.
Para que se possa usufruir dos efeitos terapêuticos do THC, este canabinoide precisa estar em doses baixas e associado ao CBD, visto que este outro canabinóide consegue controlar os efeitos psicoativos do THC. Terpenos e flavonóides existentes na Cannabis também atuam como o CBD, modulando as ações do THC.
O que é regulado pelo Sistema Endocanabinóide?
O Sistema Endocanabinóide em bom funcionamento regula o sono, a temperatura corporal, os estados emocionais, a absorção de nutrientes, saciedade, o ciclo de vida das células, a reprodução, foco, memória, movimentos de tensão/ relaxamento muscular. o sistema nociceptivo e nosso sistema imunológico. Além disso, já foi visto que os canabinóides também têm ação neuroprotetora.
Quando a produção de endocanabinoides está comprometida, seja por uma condição genética, seja por doenças agudas ou crônicas, o uso de fitocanabinóides ou canabinóides sintéticos podem instaurar ou restaurar seu bom funcionamento.
O CBD, ativando o SEC, faz com que os endocanabinóides voltem a regular funções essenciais ou modulem células que estão hiperativas ou hipoativas.
O THC, por se ligar diretamente aos receptores canabinóides, “faz a vez” da anandamida, atuando diretamente na regulação de funções do corpo, diminuindo expressões de stress (ansiedade, medo, insônia, agitação, agressividade, movimentos peristálticos ou hiperatividade intestinal, por exemplo). Também atua no mecanismo da dor.
Uma vez acoplados os canabinóides aos receptores, estes atuarão diretamente na célula em que estão situados, modulando as trocas celulares, trocas sinápticas, contrações musculares, secreção de enzimas/hormônios (CB1) ou diminuindo a percepção de dor ou a hiperativação do sistema imunológico (CB2).
Desta forma compreendemos como há uma diminuição de convulsões em síndromes raras, quando se utiliza o CBD. Se os neurônios param de emitir impulsos elétricos desordenadamente, as convulsões param.
Da mesma forma, em patologias onde movimentos involuntários ou contrações exacerbadas ocorrem (como no Mal de Parkinson ou na sequela de AVC), o uso do CBD, além de regular os impulsos elétricos nos neurônios, também desativam a contração muscular excessiva.
Em doenças degenerativas, além dos dois benefícios acima, soma-se o estímulo neuroprotetor, que retarda a evolução da doença, como é visto em pacientes com Alzheimer ou Esclerose Lateral Amiotrófica.
Além disso, a ativação dos receptores CB2 auxilia no controle de quadros inflamatórios, dos estímulos dolorosos e regula o sistema imunológico, seja ativando-o para proteger adequadamente o organismo, seja equilibrando seu funcionamento, impedindo que ataque tecidos do próprio corpo.
Se você ou alguém que conhece quer ou precisa colher os resultados da terapia canabinóide, fale com nosso Suporte para mais informações.
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.