A Cannabis Medicinal vem ganhando, ano a ano, evidências de seu potencial terapêutico como adjuvante no tratamento de várias patologias e seus sintomas. Centenas de pesquisas demonstram que os componentes da planta podem auxiliar os pacientes a ganharem qualidade de vida, comprovando recomendações de tratados médicos milenares.
Uma das formas de se beneficiar das qualidades medicinais da Cannabis é o óleo Full spectrum, onde estão presentes todos os componentes da planta, atuando sinergicamente. Mas existem outras apresentações, como o Broad Spectrum ou canabinóides isolados – como o CBD – atuando sozinho ou acompanhado de outros canabinóides, em diferentes proporções.
Antes de explicar como funciona cada uma das apresentações, vamos primeiro apresentar o funcionamento do sistema endocanabinóide e também quais são os compostos da Cannabis.
O sistema endocanabinóide (SEC)
Na década de 1960 Raphael Mechoulam descobriu o sistema endocanabinóide no corpo humano, bem como as substâncias que eram produzidas por esse sistema. O corpo produz substâncias endocanabinóides para regular o equilíbrio interno. Elas se ligam aos receptores do sistema, controlando funções como sono, fome, sistema imune, processos inflamatórios, condução de dor, mudanças de humor e ciclo de vida celular..
O SEC atua inibindo ou estimulando a produção de enzimas, hormônios e neuro hormônios que regulam inúmeras funções corporais.
Os compostos canabinóides, presentes na Cannabis sativa, trazem benefícios para a saúde por conseguirem ativar o SEC. seja ligando-se aos seus receptores ou estimulando-o diretamente através de outros ligantes.
Receptores canabinóides
Foram descobertos dois tipos de receptores canabinóides:
- O CB1 – presente no Sistema Nervoso Central, controla a liberação de neurotransmissores responsáveis por funções como fome, sono e bem-estar, memória e processamento emocional. Também está presente nos pulmões, rins e fígado, nos sistemas reprodutor e músculo esquelético.
- O CB2 – está presente no Sistema Imunológico e em células hematopoiéticas (que podem se diferenciar em células sanguíneas ou do sistema imunológico), além de trato gastrointestinal, fígado, sistema reprodutor e ossos. É responsável por reduzir a inflamação e regular o sistema imunológico.
O sistema canabinóide é responsável pela homeostase (equilíbrio das funções corporais), sendo ativado pelo acoplamento dos endocanabinóides aos receptores, sempre que algum fator externo agride o organismo. Estes receptores atuam nos Sistemas nervoso central e periférico; além dos sistemas endócrino, imunológico e por consequência, no metabolismo corporal, modulando seu funcionamento.
Compostos químicos encontrados na Cannabis
A Cannabis possui mais de 400 substâncias químicas, entre elas os canabinóides, terpenos e flavonóides. É consenso entre os pesquisadores que a atuação de todos estes elementos em sinergia produz a potencialização dos efeitos medicinais da Cannabis.
Compostos canabinóides
Os mais estudados são os canabinóides, principalmente o canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC). Enquanto o THC atua sobre o stress, a náusea, a dor, o sono, o apetite, processos inflamatórios e regulação do sistema de defesa do organismo, o CBD atua sobre espasmos musculares, dor, regulação do humor e do sono, proteção do tecido neural e ósseo, acelera a recuperação de tecidos, e modula a hiper-excitação cerebral.
Há outros canabinóides sendo estudados, como o Canabinol (CBN), o Canabicromeno (CBC) e Ácido Tetrahidrocanabinol (THCA), todos sem potencial alucinógeno e com atividade anti-inflamatória e antitumoral em comum.
Particularmente, o CBN atua também como sedativo, indutor de sono e analgésico. Já o CBC tem importante ação neuroprotetora e o THCA, atua no mecanismo da fome.
Os Terpenos
Já foram descritos mais de 200 terpenos na Cannabis, sendo que ao menos 40 são específicos desta espécie vegetal. Na natureza, os terpenos conferem o sabor e cheiro específico das plantas, e servem para espantar predadores, matar fungos e bactérias, além de atrair insetos para a polinização.
Já como propriedades terapêuticas dos terpenos, podemos citar: antioxidante, anti-inflamatória, bactericida, fungicida, analgésica e a capacidade de atuar modulando as emoções, estimulando ou acalmando, dependendo do terpeno utilizado.
Os terpenos tem rápido efeito e foi comprovado em estudo que concentrações acima de 0,05% são consideradas de interesse farmacológico, devido à rápida redistribuição e concentração em estruturas cerebrais lipofílicas. Além disso, os terpenos são facilmente absorvidos pela pele.
Também já foi visto que eles atuam como moduladores dos diferentes canabinóides em sua ligação com os receptores endocanabinóides, potencializando seus efeitos terapêuticos.
Em estudo publicado no British Journal of Pharmacology, E.B. Russo elucidou inúmeras possibilidades de sinergia entre os canabinóides e terpenos presentes na Cannabis.
Vale citar aqui alguns terpenos presentes na Cannabis (mas não só nela) e suas ações terapêuticas já comprovadas:
- Limoneno – antidepressivo, estimula a imunidade, combate células cancerígenas (estimulando apoptose), antioxidante;
- Mirceno – anti-inflamatório, analgésico, sedativo (auxilia na qualidade do sono), relaxante muscular;
- Pineno – anti-inflamatório, broncodilatador, antibiótico de amplo espectro, ativa a memória;
- Linalol – ansiolítico, sedativo, analgésico local, anticonvulsivante;
- B-Cariofileno – anti-inflamatório, citoprotetor, analgésico;
- Nerolidol – sedativo, anti fúngico, anti malárico;
- Óxido de Cariofileno – antifúngico;
- Fitol – relaxante, inibe malformações (teratogênese).
Alguns desses terpenos são, como o CBD, atenuantes naturais dos efeitos alucinógenos e dos efeitos colaterais do THC (perda de memória, falta de foco, ataque de pânico etc). Já na antiguidade, precursores da medicina atual, como Avicena e outros, recomendavam a ingestão de frutas cítricas ou ácidas, suco de limão e a ingestão de pinhões como “antídoto” para cessar os efeitos colaterais causados pela ingestão de sementes de cannabis.
Todos esses alimentos possuem em sua composição o limoneno e o pineno, também presentes na planta da Cannabis, o que pode explicar os benefícios do óleo Full Spectrum, onde é preservada a composição natural da planta.
Outros estudos comparando a atividade anti-inflamatória do CBD purificado e de terpenóides da Cannabis concluíram que o CBD produz alívio por até 48 horas, indicado para dores crônicas, enquanto os terpenos agem por menos tempo, sendo indicados para dores agudas.
Estudos recentes feitos por pesquisadores da Eybna (empresa israelense especializada no estudo da Cannabis e seus componentes) criaram um “blend” de terpenos com capacidades anti-inflamatórias presentes na Cannabis ,que podem interromper a “tempestade de citoquinas” que precedem o quadro altamente inflamatório da Covid-19.
Em seu estudo, enquanto o CBD interrompia em 75% a atividade das citoquinas, o blend de terpenos interrompeu 80%. A combinação do CBD + terpenos resultou em 90% de interrupção do processo inflamatório. A dexametasona, um tipo de cortisona utilizado para debelar a inflamação na Covid-19, no mesmo estudo demonstrou uma eficácia de somente 30%.
Os flavonoides
Flavonoides estão presentes em todos os vegetais e já foram identificados mais de quatro mil tipos na natureza. Essas moléculas são responsáveis por dar sabor, cor e aroma às plantas. Seus benefícios se estendem não só à nutrição, mas à farmacologia, tanto em compostos medicinais quanto cosméticos.
São mais de 20 flavonoides identificados na planta da Cannabis, sendo que alguns são específicos desta espécie, chamadas de “canflavinas”. As Canflavinas do tipo A e B possuem propriedades anti-inflamatórias, enquanto a Canflavina C é anti-cancerígena.
Outros flavonoides presentes na Cannabis também podem ser encontrados em outras espécies vegetais.
O resveratrol, por exemplo, também encontrado na uva, tem propriedades antioxidantes, prevenindo o envelhecimento e protegendo o sistema cardiovascular e a pele.
Já a Luteolina Glicosídeo, também encontrada no café, na alcachofra e nas folhas do pêssego, tem propriedades anti-inflamatórias e previne edemas e úlceras.
Os flavonoides também possuem atividades antivirais, antitumorais, antialérgicas e hormonais (agindo sobre os hormônios do corpo).
Como os terpenos, os flavonoides também agem sinergicamente com os canabinóides, modulando seu metabolismo. Dessa forma, também bloqueiam os efeitos alucinógenos e colaterais do THC e potencializam, por exemplo, as suas ações antiinflamatórias, antitumorais e reguladoras do sistema hormonal.
Como atuam as diversas formulações com Cannabis Medicinal?
Desde que se iniciaram os estudos sobre a bioquímica da Cannabis Medicinal, isolando os componentes da planta e pesquisando seus benefícios terapêuticos, o ponto de partida foram textos antigos, provenientes de compêndios médicos chineses e indianos, datados de dois a cinco mil anos a.C e textos médicos gregos (Diascórides, séc, 2 D.C.) que influenciaram a prática clínica ocidental até o início do século 20.
Foi na entrada do século XX que a Cannabis, antes considerada uma planta sagrada para alguns e terapêutica para muitos, tornou-se demonizada, ao ganhar o status de “droga” e “vício” por ser consumida pelo extrato mais pobre da sociedade – negros, descendentes de populações escravizadas, por exemplo, no Brasil. Nos EUA, a Caça às Drogas também tinha esse perfil discriminatório, visto que o uso recreativo – ou cerimonial – era feito pelos imigrantes, também constituintes da camada mais pobre da população.
Mechoulam, cientista israelense, iniciou as pesquisas para descobrir os compostos da Cannabis após se deparar com estudos do século 19 sobre a planta. Após a criminalização da Cannabis, não havia produção científica sobre suas qualidades terapêuticas. Mechoulam começou suas pesquisas movido por esta curiosidade e teve sucesso porque já haviam técnicas científicas diferenciadas que não existiam no século 19, para separar as diferentes substâncias da Cannabis.
Ele conseguiu isolar primeiramente o CBD e comprovar suas propriedades antiinflamatórias – e mais tarde, outros cientistas comprovaram seu uso no âmbito da psiquiatria. O THC foi isolado posteriormente e constatou-se que é o único componente da Cannabis com efeito psicoativo (alucinógeno) – além de seus efeitos terapêuticos, como analgésico, relaxante muscular e outros já citados.
Diferentes plantas, diferentes formulações
É importante entender que plantas de diferentes regiões e diferentes incidências de sol produzem quantidades diferentes de CBD, THC, outros compostos canabinóides, terpenos e flavonoides. É necessário controlar o plantio, tanto em relação à espécie, quanto em relação ao solo e clima, para colher determinados resultados terapêuticos.
Hoje, com o avanço da tecnologia e da genética, é possível para os produtores escolherem sementes selecionadas de plantas com alto nível de CBD e baixo nível de THC (o cânhamo é uma espécie de Cannabis que cumpre esses requisitos). A partir dessas espécies são produzidos os medicamentos à base de Cannabis.
Tipos de formulações à base de Cannabis
Hoje temos disponíveis no mercado produtos medicinais à base de Cannabis com componentes isolados e também combinados. Entenda agora os vários tipos de formulações.
Formulações isoladas
Quando se isola o CBD e são retirados todos os terpenos, flavonóides e outros tipos de canabinóides, temos uma formulação de puro CBD, sempre carreada por um óleo (azeite, óleo de coco etc).
Muitas formulações com CBD também tem o THC a menos de 0,2%, para proporcionar os benefícios do THC, mas sem os efeitos psicoativos.
Desta forma o paciente consegue combinar diversos benefícios: analgésico, anti inflamatório, ansiolítico, anticonvulsivo, antiemético, neuroprotetor, com melhoria do sistema de defesa do organismo, da qualidade do sono, regulação da fome e do humor, entre outros.
A formulação é ótima para uso de atletas, para pacientes que tenham sensibilidade ao THC, ou até mesmo para aqueles que têm receio de sentir algum efeito alucinógeno ao iniciar a terapia com canabinóides.
Além disso, se pensarmos a título de interações com outros fármacos, visto que a terapia canabinóide é feita concomitante aos tratamentos convencionais, é bastante prático saber a substância exata e em qual concentração o paciente está utilizando, para controle da equipe médica sobre as interações medicamentosas.
Formulações Full e Broad Spectrum
Temos um óleo Broad Spectrum (espectro amplo), quando é retirado o THC e preservado os outros componentes da Cannabis.
Quando não é retirado o THC da formulação, temos um óleo Full Spectrum.
Há pesquisas que comprovam uma potencialização dos efeitos terapêuticos da Cannabis quando se preservam os componentes da planta – terpenos, flavonóides e outros compostos canabinóides. É chamado de “efeito entourage” – ou efeito “comitiva” em português, pois todos os componentes interagem sinergicamente, modulando o efeito psicoativo do THC e somando os efeitos terapêuticos dos canabinóides, terpenos e flavonoides da Cannabis. O efeito entourage é encontrado tanto nas formulações Broad Spectrum quanto nas Full Spectrum.
Todos os produtos aprovados pela Agência de Vigilância Sanitária para importação e comercialização no Brasil tem como requisito uma quantidade máxima de THC até 0,03%, para que não haja o efeito psicoativo dessa substância.
O conhecimento vence o preconceito
É importante deixar claro que desde 2017 a Cannabis é classificada como planta medicinal pela Anvisa. Acreditamos também que divulgar informações embasadas em pesquisas científicas é a melhor maneira de vencer o preconceito que ainda existe a respeito da Cannabis e seu uso medicinal. Muitos podem se beneficiar do uso da Cannabis Medicinal, principalmente aqueles que não respondem às terapias com os medicamentos convencionais, ou sofrem com efeitos colaterais que lhes tiram a qualidade de vida.
Para obter mais informações sobre como iniciar um tratamento com terapia canabinóide, entre em contato com nossa equipe de suporte.
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.