O uso da Cannabis Medicinal, ao contrário do que muitos pensam, não causa dependência química. Devido à criminalização do uso da maconha – ou do uso recreativo da Cannabis – muitas pessoas relutam em sequer pensar num tratamento com canabinóides.
Muita confusão envolve este tema, até porque não existe um esclarecimento amplo das autoridades ao público. Resta aos profissionais prescritores, aos pacientes e familiares de quem se beneficia com este tratamento, desbravar um caminho cheio de preconceitos e terem seus direitos garantidos, tanto para prescrever quanto para utilizar a Cannabis Medicinal.
Queremos contribuir para que mais pessoas ampliem seu conhecimento à respeito desta planta com tantas propriedades medicinais.
Mostraremos, ao longo deste artigo, um pouco da história da Cannabis, e como o uso da Cannabis Medicinal pode auxiliar pessoas que estejam sofrendo com a dependência química a se livrarem da necessidade fisiológica de drogas lícitas e ilícitas.
A Cannabis sempre foi criminalizada?
A resposta é não. Este fato é recente, do início do século XX, após o encontro da Liga das Nações, em 1924. A primeira lei brasileira proibindo o uso do “pito de pango” (maconha) é de 1930, no Rio de Janeiro e esta proibição estava atrelada mais a um pensamento elitista e arbitrário, classificando o uso da erva somente pela população mais pobre, visto que veio com os escravos – e por isso, digna de condenação, para a elite da época.
Entretanto, enquanto o uso recreativo era perseguido e proibido, a Cannabis sativa ainda fazia parte de formulações de remédios para insônia e problemas respiratórios no país!
Para entender todo este cenário é preciso voltar um pouco da história da Cannabis no mundo.
História da Cannabis no mundo
A Cannabis já era utilizada por suas propriedades terapêuticas na antiga China e na Índia, a mais de oito mil anos e há relatos de seu uso também por Avicena (Ib Sina), autor de inúmeros livros de medicina, na região do atual Irã. As propriedades calmantes, anti inflamatórias, anti-convulsivantes, analgésicas desta planta já eram, portanto conhecidas em antigas culturas.
Das inúmeras variedades da Cannabis, o cânhamo sempre esteve presente desde os primeiros núcleos humanos, com suas sementes servindo de alimento para o gado, suas fibras resistentes transformando-se em tecido semelhante ao linho, papéis, combustíveis e cordoaria ou dando sustentação a estruturas de moradias, pontes etc na antiguidade.
Entre os anos de 1000 a.C. até meados do século XIX, a Cannabis era largamente usada para esse fim e, dependendo da cultura, era a primeira, segunda ou terceira planta medicinal mais utilizada.
Ainda que os historiadores tenham divergências sobre a região em que a Cannabis surgiu, ou onde ela começou a ser reconhecida por suas propriedades medicinais, o fato é que ela estava presente em toda a Ásia (China, Índia, Oriente Médio) há mais de 8 mil anos.
Foram encontrados registros sobre o uso medicinal da Cannabis sativa em textos hindus datados de 2500 a.C. e em textos chineses atribuídos ao imperador e farmacêutico chinês Shen Nieng, que recomendava o uso de Cannabis no tratamento do reumatismo, da apatia e como sedativo (inclusive em cirurgias, prática também utilizada por cirurgiões europeus na época do Renascimento).
Segundo Antônio W. Zuardi, a utilização da Cannabis na medicina chinesa é descrita na mais antiga farmacopéia do mundo chamada de Pen-ts´Chin, em tratamentos como dores reumáticas e intestinais, malária e também para o sistema reprodutor feminino.
Na Índia, a Cannabis era utilizada em rituais religiosos e também como medicamento. O bhang é uma bebida cerimonial utilizada até hoje pelos hindus para se aproximar do deus Shiva. No budismo Mahayana (indiano), conta-se que Buda comeu uma semente de Cannabis por dia, por seis dias, antes de alcançar a iluminação.
Já como medicamento, os tratados de medicina Ayurvédica indicavam o óleo para prisão de ventre, cólicas menstruais, reumatismos, malária e até dor de ouvido.
A Cannabis provavelmente se propagou da China para a Índia, e daí para o norte da África, chegando na Europa por volta de 500 anos depois de Cristo e, muito mais tarde, com a colonização das Américas, chegou à América do Norte e do Sul, onde houveram plantações até o início do século XX, visto que suas fibras eram utilizadas para cordoaria e tecelagem, o óleo para fabricar tinta e suas sementes, como ração para gado.
Enquanto Napoleão proibia o uso do haxixe (bebida feita a partir da Cannabis sativa) ou o fumo das flores da Cannabis no Egito em 1798, a planta era introduzida na Europa, na tecelagem, cordoaria e fabricação de papéis. Na Renascença foi um dos principais produtos agrícolas da Europa.
A planta, cultivada em climas frios da Europa, não desenvolve alto teor do THC (tetrahidrocanabinol), não tendo, portanto, seu potencial alucinógeno.
O uso medicinal da Cannabis na Europa foi influenciado pelo colonialismo. Médicos traziam a “novidade” do uso medicinal, quando conheciam as práticas ancestrais em suas colônias, para dilatar brônquios e tratar dores. Enquanto isso, intelectuais franceses, no final do século XIX, fumavam haxixe e pesquisavam seu efeito no tratamento de doenças mentais. A medicina americana, inspirada nos ingleses, utilizava a pasta de Cannabis em inúmeras doenças e também como relaxante muscular.
Cannabis no Brasil
Aqui no Brasil a planta foi introduzida pelos escravos africanos por volta de 1500. Segundo relato da época, eles traziam as sementes dentro de bonecas de pano. Aqui as plantações de cânhamo se iniciaram a partir de 1700, incentivadas pela Coroa Portuguesa, para fabricação de cordames e tecido, e seu uso recreativo foi disseminado pelos africanos para os índios e o restante da população, sendo utilizada livremente por praticamente três séculos.
As notícias dos efeitos medicinais e psicoativos da maconha só chegaram ao Brasil na metade do século XIX, após divulgação dos trabalhos do Prof. Jacques Moreau, da faculdade de medicina da Tour na França. O uso médico foi o mais aceito pela classe médica brasileira. Havia, por exemplo, as Cigarrilhas Grimault, cigarros “medicinais”, indicados para asma, insônia, dificuldade de respirar entre outros sintomas e propagandas do produto circularam aqui até 1905.
A proibição do uso recreativo, em 1930, no Rio de Janeiro, se deu após o encontro da Liga das Nações Unidas, onde plantou-se a ideia de que a Cannabis era uma droga perigosa e nociva, comparando-a à heroína.
Vale lembrar que o uso recreativo foi combatido, não só aqui como também nos EUA, por ser de fácil acesso às camadas mais pobres da sociedade. Com a proibição, o uso medicinal e também as plantações de cânhamo foram abolidas e demonizadas.
Do obscurantismo para a luz
Quando o pesquisador israelense Raphael Mechoulam começou a divulgar suas descobertas sobre os fitocanabinóides THC e CBD, e mais, que todos os vertebrados possuem um Sistema chamado Endocanabinóide, que produz seus próprios canabinóides para regular funções básicas e essenciais do corpo, houve muita resistência pela classe médica.
Pesquisas datadas de 1970 até meados do ano 2000 focavam nos perigos do THC com seu potencial alucinógeno, enquanto Mechoulam, em Israel, e o dr. Carlini, aqui no Brasil, pesquisavam com maior amplidão também o potencial terapêutico dos fitocanabinóides, a começar pelo CBD e também pelo THC.
E hoje, em pleno século XXI, mesmo com toda a informação disponível sobre o assunto, estamos somente saindo da idade das trevas para a luz, no que se refere ao uso medicinal da Cannabis e da existência de um Sistema Endocanabinóide em nosso organismo.
Agora que falamos da trajetória da Cannabis através de vários milênios e séculos até os dias de hoje, voltamos à pergunta inicial.
A Cannabis medicinal causa dependência ou não?
Não, a Cannabis Medicinal não causa dependência química porque o corpo não desenvolve tolerância ao canabidiol, seu mais importante princípio ativo.
O Canabidiol (CBD), não tem potencial alucinógeno e, ao contrário, ajuda a modular os efeitos do tetrahidrocanabinol (THC) em formulações com um teor maior (necessários em algumas patologias neurológicas e crônicas).
Na maioria das formulações, porém, o THC, quando presente, vem em quantidades mínimas (0,02%) para que o paciente usufrua somente dos benefícios terapêuticos, como relaxamento, analgesia e neuroproteção.
O CBD é o principal componente das formulações medicinais, seja em formulações isoladas, broad spectrum ou full spectrum. O óleo de Cannabis medicinal possui propriedades analgésicas, anti inflamatórias, neuroprotetoras, anti eméticas, anticonvulsivantes e pode ser utilizado como adjuvante no tratamento de várias patologias, com poucos efeitos colaterais.
Mas não para por aí.
A Cannabis Medicinal para combater a dependência química
Ainda que soe como um contra senso, a Cannabis Medicinal, particularmente o CBD, ajuda a quem tem algum tipo de vício a diminuir a sua compulsão ou necessidade de uso. O vício não se limita à drogas ilícitas, como a heroína, a própria maconha ou o álcool; classifica-se como vício também o uso abusivo de medicamentos opióides e com potencial hipnótico.
E por que o CBD ajuda a diminuir a necessidade destas drogas?
Drogas criam um mecanismo de prazer momentâneo. Seja por fazer a pessoa ficar relaxada, conseguir dormir, ficar feliz ou ficar sem dor. O organismo,porém, precisa consumir quantidades cada vez maiores da droga para ter o mesmo efeito prazeroso da primeira vez, pois desenvolve tolerância àquela droga.
Quando se utiliza a Cannabis Medicinal, além de auxiliar no controle da necessidade pelas substâncias, o CBD atua como ansiolítico, reduzindo sintomas associados ao vício e amenizando efeitos da abstinência.
No caso de drogas hipnóticas e opióides, a Cannabis Medicinal, por ter qualidades terapêuticas semelhantes – ao regular o ciclo do sono, ser ansiolítica e analgésica – ajuda os pacientes a diminuírem ou cessarem com o uso das mesmas.
Outro fator relevante é que a ligação química entre os fitocanabinóides da Cannabis e os receptores do nosso Sistema Endocanabinóide é natural e o corpo não desenvolve tolerância aos fitocanabinóides. Isso significa que, atingida a dose diária que faz efeito para o paciente, ele não sentirá necessidade de aumentá-la.Com a devida orientação de um profissional prescritor, a Cannabis medicinal pode ajudar muitos pacientes a resgatarem sua qualidade de vida. Gostaria de encontrar um profissional prescritor? Fale com nosso Suporte para essa e outras informações.
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.