Por Ana Claudia Marques
O uso medicinal da Cannabis vai além de seu potencial terapêutico, impactando também na quantidade de medicamentos que um paciente consome para estar livre da dor e todas as outras manifestações que a acompanham.
Quando um paciente precisa conviver com a dor crônica, por exemplo, sua qualidade de vida é afetada como um todo: há alterações de sono, apetite, motivação diária, humor, libido e disposição. Conviver com a dor consome muita energia, pois o organismo está o tempo todo buscando voltar para o estado de equilíbrio, seja tentando debelar processos inflamatórios, recuperar tecidos lesionados ou descansar o suficiente para se recompor.
Por este motivo é comum que pacientes crônicos relatem, além da causa inicial de dor, sintomas de insônia, depressão, ansiedade, problemas nos sistema gastrointestinal, falta de foco e disposição, só para citar alguns.
Dentro da medicina atual, somam-se diversos tipos de remédios para combater estes sintomas – a chamada polifarmácia. Muitos deles, como os remédios para dor, ansiedade, depressão e insônia, opióides e não opióides, podem causar dependência, visto que o corpo se adapta às doses e pede, gradualmente, o aumento do consumo para que haja o mesmo alívio inicial.
Some-se a isso o fato de que as interações medicamentosas sobrecarregam o metabolismo do corpo e, a longo prazo, podem afetar funções das mais variadas, como digestivas, renais, intestinais e mentais (com perda de foco, concentração, etc).
Sob esta perspectiva, inúmeros cientistas pesquisam, há décadas, como as múltiplas possibilidades de uso terapêutico da Cannabis poderia ajudar os pacientes não só a se livrarem da polifarmácia, como também a reduzirem o uso de remédios controlados.
Acompanhe aqui os resultados promissores de algumas delas.
Cannabis medicinal: uma opção viável para a dor crônica
Um dos problemas mais difíceis de lidar na medicina é o manejo da dor crônica. A própria literatura médica relata que há uma dificuldade real de controlar a dor com os remédios existentes no mercado. Além disso, o paciente não toma somente um medicamento, o que pode trazer interações medicamentosas prejudiciais.
Num estudo sobre interações medicamentosas, os autores relatam que, numa amostragem de 624 pacientes ambulatoriais, com dor crônica, 80% das prescrições de múltiplos remédios continham interações medicamentosas clinicamente relevantes. O mesmo estudo fala que as internações por estas interações malfadadas chegam a 4,6%.
Portanto, quando falamos de dor crônica e outras doenças com múltiplos sintomas, a Cannabis (e seus fitocanabinóides, como CBD e THC), são uma opção viável, por sua segurança, eficácia e por não haver o risco de overdose.
Além disso, a Cannabis medicinal soluciona várias sintomatologias com seu uso, devido aos seus múltiplos potenciais terapêuticos como:
- analgésico
- anti-inflamatório
- regulador do sono
- ansiolítico
- antidepressivo
- antiemético.
Se levarmos em conta que grande parte dos pacientes crônicos são idosos, com alterações naturais do metabolismo, diminuir a polifarmácia e preservar o metabolismo do fígado e dos rins também se torna um fator relevante para a escolha de um protocolo terapêutico adequado.
Outro público potencial são os esportistas, que são acometidos por lesões repetitivas por esforço ou traumas localizados. Em nosso artigo mostramos como o uso do canabidiol (CBD), um dos compostos fitocanabinóides, ajuda a esses profissionais na recuperação de suas lesões, tanto pelo controle do quadro inflamatório e álgico, quanto pelo efeito protetor nos tecidos do corpo. Dessa forma, os atletas conseguem manejar a dor sem o uso de opióides e a consequente dependência química que pode advir de seu uso contínuo.
O que dizem os estudos?
Numa revisão de literatura apresentada na Universidade Federal de Campina Grande foram citados vários estudos relevantes. No primeiro deles, pacientes com dor crônica que iniciaram o tratamento com cannabis medicinal relataram redução no nível de dor e também no uso de opióides ao longo dos 6 meses do estudo.
Outro ensaio clínico, com duração de 21 meses, no México, mostrou que os pacientes apresentaram chances maiores de “cessar a prescrição de opióides e de reduzir suas doses diárias”, com melhoria da qualidade de vida, devido à redução de dor, possibilitando aumento das atividades de vida diária e sociais, ao mesmo tempo que diminuiam efeitos colaterais como tontura, sonolência e perda de equilíbrio. Estes resultados foram semelhantes ao resultado de outro estudo com mais de 400 pacientes com dor oncológica, que durou um ano.
Existem estudos mostrando também que a Cannabis é uma substância de primeira linha para tratar dores miopáticas ou neuropáticas, que envolvem músculos e nervos, como é o caso da esclerose múltipla e da fibromialgia.
Um estudo inédito do Irving Medical Center da Universidade de Columbia, nos EUA, relata que nos estados onde o consumo da Cannabis Medicinal foi aprovado, houve uma queda de 20% na prescrição de opióides, principalmente por ortopedistas (a classe médica que mais prescreve analgésicos potentes para dores crônicas). Tenha-se em conta que, nos Estados Unidos, 68% das mortes por overdose são por ingestão de opióides lícitos ou ilícitos (sem receita).
Ou seja, quando o paciente tem a opção por outro tratamento eficaz no combate à dor e sem o risco de dependência, como é o caso do tratamento com a Cannabis medicinal, há redução no consumo de opióides.
Uma equipe de estudantes de pós-graduação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade do Arizona analisou nove estudos sobre o potencial de redução de uso de opióides com a introdução ao tratamento com Cannabis medicinal e descobriu que os pacientes relataram uma redução de 64 a 75% na dosagem de opióides quando usados em combinação com a Cannabis.
O último estudo que trazemos aqui, realizado na Escola de Medicina da Universidade John Hopkins entrevistou 200 pessoas, questionando sobre a melhora ou piora de sintomas de abstinência de opióides, quando houve o consumo concomitante de cannabis. Destes 125 que usaram a cannabis para tratar a abstinência, 72% relataram alívios de sintomas, 20% tiveram resultados mistos, 6,4% relataram piora e 2,4% não sentiram nenhum efeito.
Dentre os sintomas de abstinência que melhoraram, temos: ansiedade (76,2% dos entrevistados), tremores ( 54,1%), insônia (48,4%), dores ósseas e musculares (45,9%), inquietação (45,1%), náusea (38,5%) e desejo por opióides (37,7%). Também falamos sobre como a Cannabis medicinal pode ajudar a diminuir o uso de opióides nesse artigo.
Benefícios da Cannabis numa visão objetiva
Um artigo na Acta Médica Portuguesa traz uma visão bastante objetiva e sensata a respeito da Cannabis, ao ponderar que absolutamente todos os remédios possuem seus efeitos colaterais e que, entre as substâncias fitoterápicas, é sensato lembrar que a dose distingue o veneno do remédio.
“Na verdade muitas das substâncias psicoativas em comercialização apresentam um poder aditivo bem mais elevado que o Δ9 -THC como é o caso do etanol, que é lícito, e outras, como o caso da morfina, que está disponível como fármaco analgésico e para outras indicações clínicas. A dependência, doença neuropsiquiátrica, desenvolve-se mais facilmente com substâncias psicoativas que produzem um intenso prazer (euforia e felicidade), ou seja, recompensa”,escreve o autor.
O mesmo autor lembra que, na classificação das substâncias psicoativas, o THC (tetrahidrocanabinol, fito canabinóide) possui grau 2, enquanto os opióides possuem grau 4, potencialmente mais viciantes do que o componente da cannabis.
Por que cannabis medicinal?
Ainda nos valendo dos fatos objetivos, existem diversas espécies de Cannabis, desenvolvidas e cultivadas exclusivamente para uso medicinal. Estas espécies têm uma concentração alta de canabidiol (CBD) e doses mínimas, baixas ou até inexistentes de tetrahidrocanabinol (THC). Por que isso é relevante?
O THC é a única substância da cannabis que pode causar efeitos psicotrópicos, como euforia, alterações no movimento etc. Porém esses efeitos só acontecem em espécies com concentrações de THC acima de 7% (são as espécies cultivadas para uso recreativo ou adulto, ilegais no Brasil).
Não é, portanto, o caso de nenhuma espécie medicinal.
Além disso, o CBD (bem como os outros canabinóides já estudados até hoje) não possuem efeitos psicotrópicos, somente os terapêuticos já mencionados no início deste artigo. Quando o CBD é associado ao THC existe uma sinergia, melhorando resultados como ansiolítico e relaxante muscular, por exemplo. Afinal, CBD inibe a ação psicoativa do THC, permanecendo somente a ação relaxante e terapêutica.
Diminuindo a caixa de remédios
Remédios para dor crônica, dor oncológica, náuseas, insônia, depressão, transtornos de ansiedade são controlados, os famosos “tarja preta”, exatamente porque possuem princípios ativos que causam, a médio e longo prazo, não só dependência como também efeitos colaterais que minam a qualidade de vida dos pacientes.
A combinação destes remédios, como vimos, podem trazer interações medicamentosas importantes. O motivo dessa multiplicação de remédios é a forma compartimentalizada de vermos o corpo humano, herança de uma visão mecanicista do mundo. Nela o corpo é uma máquina e “consertamos” parte por parte, sem correlacionar os diversos quadros clínicos.
Quando consideramos o corpo como um organismo repleto de sistemas que interagem entre si, compreendemos que o remédio que sobrecarrega o fígado ao tratar da dor pode ser o mesmo que causará a insônia e a ansiedade (devido a algum desequilíbrio bioquímico). Também conseguimos compreender que o remédio que será prescrito para os distúrbios psicológicos pode ser o que causará agitação motora e falta de concentração, ou, combinado com o remédio para dor, o problema gastrointestinal que atormentará o paciente.
Quando introduzimos a Cannabis Medicinal nessa equação, uma planta que tem a capacidade de interagir com nosso Sistema Endocanabinóide e recuperar o equilíbrio bioquímico do nosso organismo, temos, ainda que por relatos anedóticos, os seguintes resultados:
- diminuição do processo inflamatório e consequente diminuição da dor;
- em seguida, melhora do sono e de processos ansiosos ou depressivos;
- melhora no apetite e na função gastrointestinal;
- melhoria no bem-estar geral.
A cada etapa conquistada, um remédio tarja preta ou não, é retirado da caixinha. Como consequência, a carga química no fígado e rins diminui consideravelmente, junto com os efeitos colaterais.
Como em qualquer remédio, para o uso medicinal da Cannabis é necessário o acompanhamento médico adequado, para ajustar a dose de cada paciente.
Ajustada a dose que traz os benefícios almejados, não é necessário aumentá-la. Aquela será suficiente para o organismo manter-se equilibrado. E a caixinha de remédios, com certeza, poderá diminuir para poucos medicamentos necessários, dependendo da patologia inicial, que não poderão ser abandonados, por exemplo, para que uma doença degenerativa não evolua.
A Cannabis medicinal não é a alternativa para todos os males mas, com certeza, pode ser uma adjuvante poderosa em inúmeros tratamentos, não só por suas qualidades terapêuticas, mas também por ajudar o paciente a reduzir a polifarmácia e seus efeitos nocivos sobre o organismo.
Se você ou alguém que conhece quer orientação e suporte para iniciar um tratamento com Cannabis Medicinal, fale com nosso Suporte.
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.