Por Ana Claudia Marques
Sabemos que esse assunto é polêmico e já vamos começar explicando: nem toda “Cannabis” dá origem à maconha, considerada uma droga ilegal no Brasil. Para que aconteça o efeito alucinógeno, a planta precisa ter altos níveis de uma substância canabinoide chamada tetrahidrocanabinol (THC).
O segundo composto canabinoide mais conhecido é o Canabidiol (CBD), com inúmeras propriedades medicinais e que não provoca o “barato” tão temido por milhares de pessoas que não conhecem o assunto em profundidade.
Mas hoje queremos falar de uma subespécie de Cannabis sativa L, conhecida como cânhamo. Ela é bastante fibrosa e pode ser usada a nível industrial, em inúmeros mercados além do medicinal (para extração do CBD): têxtil, de fibras, celulose, resinas etc.
Porém, até o momento, o Brasil proíbe o plantio e cultivo de qualquer tipo de Cannabis, salvo raras exceções, como no caso de pesquisas, pacientes ou ONGs que têm habeas corpus para extrair o óleo da planta, para uso medicinal e de estudo.
A pergunta que se faz, cada vez com mais frequência, é: o que o Brasil está perdendo com essa legislação ultra-restritiva em relação à Cannabis?
Potencial econômico do Cânhamo Industrial
Se antigamente havia o bordão de que o Brasil era o “celeiro do mundo”, hoje cansamos de escutar que o “agro é pop”. Dentro do agronegócio, países no mundo todo já se renderam ao potencial do plantio do Cânhamo Industrial, não só para uso medicinal e pesquisa, mas para outros mercados igualmente promissores, na indústria da moda, celulose, cosméticos, alimentícia e muito mais.
Numa simples comparação entre o uso do cânhamo e do algodão, já conseguimos entender o potencial do seu plantio. Talvez você não saiba, mas antes do século XVIII o cânhamo era largamente utilizado para roupas, lona e corda. Só depois da proibição do plantio, em 1937, esses usos cessaram.
Além do cânhamo desintoxicar o solo e exigir um uso muito baixo de agrotóxicos em sua produção (ao contrário do algodão, que retira nutrientes do solo e necessita de muitos agrotóxicos), um acre de cânhamo produz duas a três vezes mais fibras do que um acre de algodão. Como se não bastasse, seu plantio consome menos água e os tecidos podem ser mais resistentes do que os feitos de algodão.
Segundo o China’s Hemp Research Centre, caso a China substitua o plantio de algodão pelo de Cânhamo, uma parte das terras poderá ser usada para o plantio de soja e trigo.
Fábio Bastos, produtor brasileiro de Cânhamo no Uruguai, em entrevista à Fashion Network, declarou: “O custo benefício em relação ao algodão é 60% melhor”.
Como está a economia dos países com plantio legalizado?
O Uruguai é um dos países em que o plantio do Cânhamo é legalizado desde 2013. Só em 2020 suas vendas para outros países (onde a Cannabis Medicinal é legalizada) ultrapassaram os 7,5 milhões de dólares (fonte: Diário de Pernambuco, 04/12/2021).
Mas como se comporta o mercado mundial?
Segundo especialistas no assunto, as transações no mercado mundial devem alcançar 18 bilhões de dólares em 2025. China, Estados Unidos, Canadá, Uruguai, e muitos outros países na Europa já fazem parte desse mercado promissor. Paraguai, Colômbia, Equador e México querem abocanhar uma fatia desse mercado e já estudam mudanças em suas legislações.
Nem todos os países autorizam o uso recreativo da Cannabis, focando no uso medicinal e no uso industrial, em suas várias facetas. São mais de 25 mil produtos possíveis, usando a Cannabis sativa L., sem nenhuma possibilidade de efeito psicoativo.
O que o Brasil perde ao não plantar cânhamo?
Em entrevista a Ricardo Amorim (Veja, 20/01/2021), o presidente da Associação Latino Americana de Cânhamo Industrial, o brasileiro Lorenzo Rolim – produtor no Uruguai, declarou: “Já estamos atrasados e vamos ficar ainda mais”.
Seja plantando para o setor industrial ou medicinal, o plantio de Cannabis é altamente rentável e melhoraria enormemente o cenário econômico brasileiro.
“Um levantamento feito pela Kaya Mind, empresa brasileira de inteligência sobre o mercado canábico, estima que o mercado brasileiro de cannabis medicinal pode chegar a R$ 14,4 bilhões quatro anos após a liberação do plantio.” (Isto é Dinheiro,20/10/2021).
Para se ter uma ideia,o mercado latino americano girou U$ 168 milhões em 2020 principalmente com vendas do óleo de canabidiol utilizado em tratamentos medicinais.
Já o cânhamo, em forma de fibras, sementes e derivados também movimenta muito capital, na fabricação de roupas, papéis,cordas, plásticos biodegradáveis, tinta, alimentos, temperos, shampoos e cremes. A União Europeia, por exemplo, liberou desde 1998 o subsídio ao linho de cânhamo.
E por que o Brasil não está no jogo?
Legislação brasileira sobre plantio da Cannabis
A legislação brasileira continua na contramão do conhecimento e da economia mundiais, quando o assunto é Cannabis. Já falamos sobre a legislação que regula o uso da Cannabis Medicinal e, por incrível que possa parecer, é a ANVISA que regulamenta o plantio da Cannabis de qualquer tipo, pois não leva em consideração que a Cannabis sativa L. não tem efeito psicoativo. Pode parecer absurdo – e é – mas a ANVISA ainda afirma que tecidos à base de cânhamo são ilegais.
Ao que parece, a situação ainda vai demorar algum tempo para mudar, mas o potencial econômico da planta não passa despercebido no meio político. Tanto que já são vinte e sete os projetos de lei envolvendo a cannabis, em instâncias municipais, estaduais e federais.
Em junho foi aprovado o Projeto de Lei 399/2015, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, visando regulamentar o cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de cannabis, seja para fins industriais, seja para fins medicinais.
De acordo com o deputado Luciano Ducci (PSB-PR), o uso industrial da planta pode resultar na produção “desde a fibra, a celulose e a resina, passando pelos cosméticos, produtos de higiene pessoal, até suplementos e gêneros alimentícios”.
Em entrevista à Agência Brasil, Ducci declarou: “Entendemos que o cânhamo industrial tem o potencial de abrir um novo segmento comercial no Brasil e se tornar uma nova matriz agrícola, uma vez que ele faz parte de um mercado mundial multibilionário devido a sua versatilidade. Vários países estão em estágio avançado nesse aspecto”.
O mundo já sabe que Cannabis não é só a popular “maconha”; empresários e até políticos brasileiros já têm as suas mentes abertas e reconhecem o potencial de mercado do cânhamo industrial. Fica a pergunta: quando a Agência Regulatória vai entrar no século XIX e deixar para trás leis que já não fazem mais sentido perante a tantas pesquisas científicas?
Falaremos mais sobre o uso do Cânhamo Industrial em próximos artigos. Gostou das informações? Compartilhe, para que cheguem a mais pessoas!
Ana Claudia Marques é redatora da CBD Fast Lane, escritora, Terapeuta Ocupacional, pós-graduada em Medicina Tradicional Chinesa e terapias integrativas, além de estudiosa sobre o potencial terapêutico das plantas.