Quem tem animais de estimação sabe o que é ver seu pet sofrer com dor, falta de mobilidade e perda de qualidade de vida, muitas vezes sem poder fazer nada.
Desde sempre o controle da dor nos animais foi motivo de grande interesse para os médicos veterinários. A falta de tratamento efetivo pode comprometer a qualidade de vida destes pacientes.
Atualmente estuda-se o controle da dor através de terapias alternativas às convencionais (devido aos efeitos colaterais), como por exemplo, os compostos canabinóides, pois estes demonstraram possuir ação anti-inflamatória, analgésica em diversos modelos experimentais e também na prática clínica.
No caso de uso de Cannabis Medicinal para fins veterinários, no aspecto legal, não há regulamentação específica, mas, no âmbito do Ministério da Agricultura – órgão competente para a regulamentação dos medicamentos de uso veterinário – o CBD não consta no rol de substâncias sujeitas a controle especial. Na prática, o uso veterinário ainda se encontra em um “limbo jurídico”, muitas vezes contornado com liminares, visando o bem estar do animal – principal motivador das ações dos médicos veterinários e constante no seu juramento profissional.
Entenda como a Cannabis Medicinal funciona no organismo animal e conheça as recentes pesquisas que comprovam a eficácia dos canabinóides em quadros de dor.
A dor no contexto veterinário
A dor, na prática clínica do veterinário, é um dos aspectos mais importantes quando se trata do bem-estar animal, pois deve ser evitada ou minimizada para promover conforto e qualidade de vida.
O processo de percepção e propagação da dor inicia a partir de um estímulo que pode ser provocado por um traumatismo, isquemia ou inflamação, Estes eventos promovem a liberação de mediadores inflamatórios, que por sua vez ativam receptores específicos para a dor, chamados de nociceptores – terminações nervosas que enviam respostas, após o estímulo doloroso, para o sistema nervoso central onde a dor é reconhecida.
É nesse contexto que os canabinóides entram com seu potencial de ação analgésica e antiinflamatória, para animais de pequeno ou grande porte, como veremos mais adiante.
O sistema endocanabinóide nos pets
Na década de 1990, foi descoberto o sistema endocanabinóide (SEC) e os estudos relatam a importância desse novo sistema para manutenção da homeostase, através da produção de forma fisiológica de canabinoides endógenos (fabricados pelo próprio corpo). O
SEC é um importante sistema que trabalha para manter a homeostase do organismo, atuando principalmente no sistema nervoso central (SNC) e imunológico.
Para compreender como a cannabis funciona no organismo é importante saber que existem proteínas receptoras específicas no cérebro que reconhecem os fitocanabinóides, incluindo o THC.
Entre vários receptores que foram identificados no Sistema Endocanabinóide, os dois tipos primários são CB1 e CB2. Os receptores CB1 e CB2 foram identificados em ratos, porquinhos-da-índia, cães, macacos, porcos e humanos.
Os receptores CB1 são amplamente distribuídos no sistema nervoso central (SNC) e têm relação com os efeitos dos canabinóides na cognição, apetite, emoções, memória, percepção e controle do movimento.
Existe uma variação interespécies na localização anatômica dos receptores CB1, como a que é vista em cães. Os cães, em particular, têm uma maior densidade de receptores CB1 em seu cerebelo em comparação com qualquer outra espécie estudada.
Os receptores CB2 são encontrados com menos frequência no sistema nervoso central, mas estão altamente concentrados no sistema nervoso periférico e no sistema imunológico, onde desempenham um papel na inflamação e na regulação da dor.
Outros usos da Cannabis Medicinal em veterinária
Os fitocanabinóides mais conhecidos e estudados são o Canabidiol (CBD) e o THC (etrahidrocanabidiol), mas a Cannabis possui mais de 100 fitocanabinóides, além de terpenos e flavonóides, que podem ser encontrados nos óleos full spectrum, em sua totalidade, ou em formulações de CBD isolado e baixa concentração de THC (como permitido pela ANVISA, aqui no Brasil).
Há relatos do uso da Cannabis para fins medicinais, em humanos e animais, desde a antiguidade. Se quiser conhecer mais sobre o assunto, acesse este artigo na Pub Med Central.
A cannabis medicinal pode ter propriedades antioxidantes, anti convulsivantes, anti inflamatórias, analgésicas, sedativas, entre outros efeitos benéficos. Dentre as doenças e males que podem ser tratados em animais, estão:
- artrite e outros tipos de dor relacionada à inflamação;
- problemas de comportamento;
- câncer;
- perturbação do trato digestivo;
- doença inflamatória intestinal;
- infecções (bacterianas, fúngicas, etc);
- doença do disco intervertebral (IVDD);
- doenças renais e hepáticas;
- glaucoma;
- convulsões e outros distúrbios do sistema nervoso;
- doença de pele;
- dor crônica;
- ansiedade de separação;
- fobias de ruído (um estudo mostra que o CBD ajudou a reduzir a pressão arterial e outros sintomas físicos relacionados ao medo em animais).
Efetividade do uso de canabinóides para dor: estudos de caso
Vamos apresentar alguns estudos comprovando a eficácia do uso de canabinóides em casos de dor na veterinária..
Um ensaio clínico feito pela Universidade de Lisboa, sugere que o tratamento contínuo com CBD durante 15 dias, duas vezes por dia, em felinos com gengivoestomatite crónica felina (GECF) pode aumentar o conforto pós-cirúrgico nos animais, ao atuar como adjuvante analgésico pós- operatório. O estudo foi feito com 18 felinos com GEFC submetidos à extração dentária, num ensaio clínico prospectivo cego e controlado por placebo.
Um estudo sobre a farmacocinética, segurança e eficácia clínica do CBD em cães com osteoartrite mostraram uma redução significativa da dor e aumento na atividade dos animais tratados com 2mg/kg de CBD, duas vezes ao dia. Não apresentaram efeitos colaterais, porém o exame sorológico mostrou um aumento na fosfatase alcalina durante o tratamento. Este resultado também foi encontrado em outros estudos com animais com mais idade, porém em animais mais jovens o mesmo não ocorreu.
Outra revisão sistemática de artigos publicados entre 2010 a 2020, falando sobre a efetividade do uso de canabinóides na dor crônica em animais, verificou que “os canabinóides apresentam excelente ação terapêutica no controle da dor, tanto de forma isolada ou associada com outro medicamento”.
Num dos estudos revisados, oito cães apresentaram uma diminuição significativa da dor principalmente entre o período de 15 a 30 dias, apresentando um excelente resultado, e comprovando por meio da pesquisa o sucesso do CBD mesmo em dose baixa comparado aos outros estudos – e associado a outros compostos naturais.
Um estudo realizado em cobaias, com aplicação local do CBD, verificou não só a ação analgésica dos canabinóides em animais com osteoartrite, mas também sua ação neuroprotetora, pois ao inibir a inflamação com o CBD impediu-se o desenvolvimento de dor e a neuropatia articular.
Mas não só os animais de pequeno porte que são beneficiados com o uso do CBD em dor crônica. Um estudo de 2019 relata o uso bem sucedido do canabinóide em uma égua. Após 36 horas desde o início do tratamento, o animal já apresentava melhora na dor e incômodos e ao final, a eficácia do tratamento foi de 90%, sem efeitos colaterais. A dose inicial do tratamento foi de 0,5 mg/kg de CBD com redução gradual para 0,3 mg/kg nos 60 dias seguintes.
Melhora da qualidade de vida de animais com dor
Estes estudos e revisões comprovam, portanto, a possibilidade de melhorar a qualidade de vida de animais de pequeno, médio e grande porte com dor crônica, diminuindo quadros inflamatórios, com efeitos neuroprotetores e analgésicos que os canabinóides proporcionam.
É importante ressaltar que a administração de Cannabis Medicinal sempre precisa ser feita com o devido acompanhamento do profissional veterinário. Se tiver dúvidas sobre como iniciar um tratamento com canabinóides, para uso pessoal ou para seu vet, fale com nosso Suporte.